Já disse e repito. Não me canso de repetir. Muitas vezes só a repetição salva.
Entre outros motivos, o troca-troca de treinadores existe basicamente porque os dirigentes brasileiros não entendem nada de futebol. Isso mesmo. Não têm conhecimento de campo e bola, teórico mesmo, para terem convicção na hora de contratar e/ou bancar o técnico. E justamente por não entenderem nada de futebol, os presidentes de futebol dão ouvidos às cornetas de parte da torcida e da imprensa (que por suas vezes também não entendem nada de futebol), cedem à pressão disseminada pela mídia e pelos corredores dos clubes, demitem o treinador com menos de uma temporada de trabalho e deixam as corrosivas multas rescisórias nas contas da entidade.
Por que eles contratam e, principalmente, demitem sem se importar com a multa rescisória? Porque eles sabem que pouco tempo depois vão sair do clube e a bomba cairá no colo dos presidentes seguintes (a gente vê esse tipo de comportamento na política e entre as autoridades de uma forma geral, pelo menos no Brasil; a responsabilidade é sempre passada adiante). Não pretendo, no entanto, me aprofundar nos lados econômico e sociológico da questão - se bem que nenhum fato acontece devido a uma causa específica, mas sim a várias. Quero aqui, nesse post, na medida do possível, me ater ao tempo de contrato que em regra vigora no Brasil.
Na vida, no mundo, no tudo, vários são os fatores que influenciam o mesmo acontecimento. Nada ocorre em função de um agente causador isolado. E no caso do futebol não é diferente (lembre-se: o futebol reflete a sociedade). Dito isso, além da baixa qualidade dos gramados, do calendário desumano (sem tempo para treinar), da incompetência de vários treinadores (mesmo com tempo para treinar), da ineficiência tática das categorias de base e etc, outra razão, entre tantas, pela qual o futebol brasileiro encontra-se na areia movediça que se encontra, é a falta de continuidade no comando (já escrevia isso em 2007, "o segredo do sucesso, no futebol brasileiro, é a continuidade do trabalho").
Sim, me refiro à falta de continuidade no trabalho do treinador. Porque, no Brasil, e imagino que só no Brasil (são muitas as coisas que acontecem "só no Brasil", né?), a regra é o contrato por uma temporada. Ou, no caso de Ricardo Gareca no Palmeiras, que assina até metade de 2015, pelo período um ano. (Oh, Deus, dai-me força e paciência para continuar esse post!) Metade de dois mil e quinze. Metade da temporada. Metade. Ou seja: terminar no meio, e não no fim. Faz sentido? Não, claro que não. O pior, porém, não é o caso de Gareca no Palmeiras (foi só um exemplo, que deu origem a essa pauta, aliás). O pior é que o contrato de 12 meses, ou um ano, ou uma temporada, como queira chamar, é a norma entre os cartolas brasileiros. E, obviamente, nenhum - ou melhor, quase nenhum - trabalho se sustenta.
Talvez os dirigentes não saibam (prometo não me alongar, último parágrafo, esse papo me tira do sério e estou ficando nervoso), mas uma das funções do treinador é montar o elenco (por que você acha que na Europa o cargo não é coach, e sim manager?). Uma das funções do treinador é, dentro das limitações orçamentais do clube, dizer e explicar aos seus superiores: "Quero esse, esse e aquele jogadores porque minha ideia de jogo é essa, meus esquemas táticos prediletos são esses, e no momento não temos no elenco atletas para cumprir essas e essas funções". Mais ou menos por aí. Por essas e outras, sim, o treinador precisa assistir aos jogos (de preferência aos que poucos assistem) e estar atento ao mercado. Contudo, se o seu contrato é por apenas uma temporada (a regra no Brasil), essa montagem torna-se inviável, para não dizer impossível (sem falar que os frutos geralmente são colhidos a partir da segunda temporada de trabalho; sem tempo para se desenvolver, as sementes jamais viram frutos).
Prometi que era o último parágrafo, mas não resisti, acho que menti (sou brasileiro, e para nós promessa é dúvida). O buraco é mais embaixo.
O pior, na verdade, é que não basta contratar o treinador por apenas uma temporada. O pior, na verdade, é que o treinador é avaliado com menos de uma temporada. Se o contrato (lembre-se: ridículo) de uma temporada fosse respeitado até o final, pelo menos, e a avaliação fosse feita somente ao final da temporada, menos mal (Moyes e Tata tiveram seus contratos rompidos, por exemplo, mas pelo menos uma temporada foi completada em ambos os casos). Mas nem isso. Com quatro, cinco, seis meses, quando não antes, o trabalho do treinador já é colocado em cheque, e muitas vezes sua cabeça acaba rolando.
Aí voltamos ao começo desse post.
O presidente, sem conhecimento de futebol (campo e bola) para bancar o treinador, dá ouvido às cornetas da imprensa e da torcida (que geralmente só falam besteiras), cede à impregnante e repugnante pressão e, sem condição de cometer uma avaliação decente, demite o treinador - o que significa multa para os cofres do clubes, novo treinador chegando (com contrato até o fim daquela temporada, claro), reformulação do elenco para se adequar à filosofia do novo treinador, se é que ele tem alguma, e etc, etc, blá, blá.
Ou seja: o futebol brasileiro encontra-se num terrível ciclo vicioso.
Como mudar esse panorama? Particularmente sou um cara otimista com as novas gerações. Na minha visão, portanto, esse panorama será alterado, para melhor, quando as velhas gerações que estão no poder (e aí não me refiro somente ao futebol, mas ao planeta como um todo, em todas as suas esferas) se aposentarem ou morrerem de vez. Uma hora eles vão morrer (todos vamos, né, mas pela ordem natural eles vão antes) e o osso será largado. Aí entrarão as novas gerações (me refiro à geração do meu e do seu filho, que ainda nem temos, e por diante), mais informadas, mais antenadas, mais globalizadas, mais discernidas, mais conscientes do que é certo e do que é errado. E gradativamente a maneira de como o jogo é jogado será alterada (tanto no futebol quanto na vida).
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